Hoje o STF decide sobre o aborto dos anencéfalos. A tendência é, realmente, decidir a favor, mas, nem por isso, concordarei.
Antes de ler meus argumentos jurídicos a respeito, peço que assistam este vídeo de uma anencéfala de 2 anos de idade:
O blog da vida da criança, que, inclusive experimentou chocolate pela primeira vez nesta páscoa, pode ser acessado neste link:
Ora, o direito à vida abrange o direito de nascer (poder viver após o ventre) e de se manter vivo. A
possibilidade de viver trata-se da possibilidade concedida a todo ser humano e feto (art. 2º, do Código Civil), a ter uma existência futura.
A possibilidade de viver, abrangida pelo
direito à vida, não
pode ser restringida por ninguém, nem pelo Estado. Ao conceder o direito à vida, no primeiro momento, não importa se
eventual vida futura venha a ser digna, segura, livre, igual ou ainda, rica.
Não importa, no âmbito do direito à vida, como
será a existência deste ser, até mesmo porque uma vez vivo, ninguém, a não ser
ele próprio, poderá determinar seu caminho e, após ser garantida a vida, o Direito lhe concederá os demais direitos, subsequentes a esse.
Essa posição coaduna-se com disposições constantes em alguns instrumentos internacionais que
proclamam o direito à vida, como o Pacto Internacional de Direito Civis e
Políticos, promulgado pelo Brasil através do Decreto nº 592/92.
O art. 6º do Pacto mencionado dispõe que every
human being has the inherent right to life. This right shall be protected by
law. No one shall be arbitrarily deprived of his life. A primeira
parte é a que corrobora nossa posição e, em tradução livre, percebemos que pelo
Pacto, todo «ser humano» possui o inerente «direito de viver», ou seja, o inerente
direito de vir a viver e ninguém pode arbitrariamente lhe tirar isso.
O próprio caput do
art. 5º da CF/88 fundamenta nossa posição. Vejamos:
Art. 5º. Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (..):
Como “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”, realizar distinção entre feto com problemas no cerébro (ou anencéfalo) e fetos sem problemas no cerébro é altamente inconstitucional, mesmo que dita pelo STF.
O mais claro de todos os dispositivos brasileiros, porém, é o art. 2º do Código Civil, segundo o qual:
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
A lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção e o primeiro dos direitos que o feto possui é o direito à vida, independentemente de discriminação quanto a defeitos que possua.
É uma temeridade, portanto, permitir que os defeituosos sejam excluídos da sociedade, como faziam antigamente aos arremessá-los de penhascos. Lutemos, pois, pelo direito à vida (mesmo diante de "opinião" contrária do STF), pois foi difícil conquistá-lo.
A alegação de alguns de que se deve abortar em virtude de que a criança vai morrer inevitavelmente também é temerária para evitar o nascimento de alguém, já que o medo da morte não pode gerar a morte precoce. Seguindo esse raciocínio, imaginemos se o Estado aceitasse, porventura, que os filhos viessem a matar seus pais quando eles completarem 60 anos idade, por serem idosos e em virtude de que irão morrer inevitavelmente. Estaríamos dizimando milhões de pessoas com capacidades inimagináveis, sob um argumento inválido.
Dizer, ainda, que o caso mencionado acima (da Vitória de Cristo) é isolado é apenas corroborar o preconceito que nossa sociedade já possui há anos, ao esconder seus filhos anencéfalos com medo da reação da sociedade ou permitir judicialmente o aborto de fetos anencéfalos.
O Min. Ayres Britto, em caso semelhante, chegou a dizer que: "o que se tem no ventre materno é algo, mas algo que jamais será alguém". Com toda venia ao Ministro, não posso concordar que Vitória de Cristo não seja alguém. Ela nasceu com vida, portanto, adquiriu a personalidade jurídica e é uma pessoa humana, apenas absolutamente incapaz. E não podemos confundir o conceito de absolutamente incapaz com o conceito de pessoa humana. Ela tanto é alguém que possui nome, possui direitos dos mais diversos, inclusive os da personalidade (dentre eles, a vida), inerentes à pessoa, e os sucessórios.
O Min. Ayres Britto, em caso semelhante, chegou a dizer que: "o que se tem no ventre materno é algo, mas algo que jamais será alguém". Com toda venia ao Ministro, não posso concordar que Vitória de Cristo não seja alguém. Ela nasceu com vida, portanto, adquiriu a personalidade jurídica e é uma pessoa humana, apenas absolutamente incapaz. E não podemos confundir o conceito de absolutamente incapaz com o conceito de pessoa humana. Ela tanto é alguém que possui nome, possui direitos dos mais diversos, inclusive os da personalidade (dentre eles, a vida), inerentes à pessoa, e os sucessórios.
Este caso é um paradigma, pois a criança nasceu, com vida, tem personalidade jurídica e, após dois anos, vive, se alimenta (sem sondas, pela boca mesmo), engatinha, balbucia, dorme e se o preconceito não existisse, a ciência poderia se desenvolver ao ponto de contribuir para uma vida ainda mais digna a essas pessoas, inclusive com a utilização de células-tronco (quem sabe?).
A questão envolve as seguintes indagações jurídicas:
1. o feto anencéfalo tem o direito de viver?
2. podemos admitir a morte precoce de um feto em razão de pré-conceitos ou preconceitos?
As respostas são claras para mim. O feto anencéfalo possui o direito de viver, como outro qualquer, já que seu direito à vida não pode ser diminuído por problemas de saúde. Admitir a morte precoce de um feto em razão do pré-conceito de que ele irá morrer inevitalvelmente ou não viverá muito tempo ou, ainda, de forma digna é violar o direito mais básico do ser humano: o direito à vida, cujo dever de zelar cabe a todos (alter), inclusive ao Poder Judiciário.
A questão não passa pelo sofrimento da mulher, pois este não é um bem jurídico tutelado. Afinal, se assim o fosse, deveríamos extinguir primeiro os maridos agressivos, que causam grande sofrimento às suas mulheres. Mas nem este absurdo o Direito brasileiro admite. A pena de morte não vale nem para assassinos, quiçá para um inocente, que não tem culpa de possuir defeitos. Se a mãe sofre, ele sofrerá muito mais no ato da matança (leia-se, aborto). O problema é que não podemos ouvir seus gritos, que se encontram "tampados" pelo liquído aminiótico e pela proteção acústica de um corpo humano.
Aliás, não sabemos sequer a origem do sofrimento, que pode decorrer de um mero pré-conceito de que seu filho não será normal ou de um medo que venha a morrer. Como proteger juridicamente isto?
No final das contas, o Direito não pode servir de remédio antidepressivo, pois tem um bem maior em jogo: a vida. Aliás, se for para evitar sofrimento, façamos logo as castrações dos órgãos sexuais dos pedófilos. Se for para evitar sofrimento, cortemos as mãos dos assassinos. Ah, isso não pode. Não pode porque? Porque é uma pessoa com cerébro? Mas a decisão de hoje, caso favorável, pode evoluir (melhor seria involuir) às ideias de Lambroso. Parece assassino (ou criminoso nato)? Porque não matá-lo, antes que mate alguém e faça várias pessoas sofrerem? E quem matá-lo, poderia ser enquadrado, inclusive, na legítima defesa, antes mesmo de qualquer ato, pois matou para evitar sofrimento.
Não, não e não. Sofrer, todos nós iremos, com filhos anencéfalos ou não.
Devemos, então, lutar para permitir que a ciência estude os anencéfalos e possa desenvolver melhores condições de saúde e vida aos mesmos, para que a sociedade acabe com o preconceito e eles possam viver livremente, assim como ocorre atualmente com os portadores de síndrome de dowm. É o meu apelo final.
"Condenados à morte, todos nós o somos", Ministro César Peluso
.
A questão não passa pelo sofrimento da mulher, pois este não é um bem jurídico tutelado. Afinal, se assim o fosse, deveríamos extinguir primeiro os maridos agressivos, que causam grande sofrimento às suas mulheres. Mas nem este absurdo o Direito brasileiro admite. A pena de morte não vale nem para assassinos, quiçá para um inocente, que não tem culpa de possuir defeitos. Se a mãe sofre, ele sofrerá muito mais no ato da matança (leia-se, aborto). O problema é que não podemos ouvir seus gritos, que se encontram "tampados" pelo liquído aminiótico e pela proteção acústica de um corpo humano.
Aliás, não sabemos sequer a origem do sofrimento, que pode decorrer de um mero pré-conceito de que seu filho não será normal ou de um medo que venha a morrer. Como proteger juridicamente isto?
No final das contas, o Direito não pode servir de remédio antidepressivo, pois tem um bem maior em jogo: a vida. Aliás, se for para evitar sofrimento, façamos logo as castrações dos órgãos sexuais dos pedófilos. Se for para evitar sofrimento, cortemos as mãos dos assassinos. Ah, isso não pode. Não pode porque? Porque é uma pessoa com cerébro? Mas a decisão de hoje, caso favorável, pode evoluir (melhor seria involuir) às ideias de Lambroso. Parece assassino (ou criminoso nato)? Porque não matá-lo, antes que mate alguém e faça várias pessoas sofrerem? E quem matá-lo, poderia ser enquadrado, inclusive, na legítima defesa, antes mesmo de qualquer ato, pois matou para evitar sofrimento.
Não, não e não. Sofrer, todos nós iremos, com filhos anencéfalos ou não.
Devemos, então, lutar para permitir que a ciência estude os anencéfalos e possa desenvolver melhores condições de saúde e vida aos mesmos, para que a sociedade acabe com o preconceito e eles possam viver livremente, assim como ocorre atualmente com os portadores de síndrome de dowm. É o meu apelo final.
"Condenados à morte, todos nós o somos", Ministro César Peluso
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