segunda-feira, 3 de maio de 2010

Vitimologia II - Carta a uma amiga - Reflexões de um texto

Eu estava mesmo para lhe escrever por esses dias para lhe dizer como fiquei chocada com a resposta que ouvi de meus estudantes quando perguntados se "matar alguém" era relevante para o Direito (na tentativa de diferenciar um fato qualquer de um suporte fáctico). A resposta foi que "dependia, pois se fosse alguém que eles conhecessem era importante. Se não fosse, não era importante". Venho refletindo muito a respeito e, sinceramente, ainda não encontrei uma justificativa plausível. Será que nossa sociedade está tão acostumada com a situação atual que já não liga para mais nada que não lhe afeta? Seria uma espécie de "capa protetora" para não passar o "Jornal Nacional" (ou outro qualquer) todinho chorando com as desgraças que ocorrem diariamente no Brasil?

Esta passividade diante do absurdo a que chegamos é que é incompreensível. Assim como é incompreensível o fato de rirmos de situações que nos deveriam assustar e servir de propulsor a que lutássemos por condições dignas de vida. A título de exemplo, menciono o caso de um outro aluno meu que sofreu uma tentativa de homicídio. No primeiro dia que compareceu à aula depois do atentado à sua vida, quando chamei seu nome, um outro aluno falou alto: "Ele está vivo" e esta "piada" foi motivo suficiente para que
a sala toda risse. Também não entendo o motivo. Tentativa de Homicídio agora virou motivo de piada?

Aí a Sra. afirma que "se o povo brasileiro é babaca, é porque nao teve oportunidade, não aprende, não cresceu numa sociedade democrática, numa sociedade igualitária, onde nossos direitos são respeitados". Concordo. Mas se ele é babaca é porque também não luta contra isso, é porque se conforma com o que tiver. Note que a Sra. apenas explica a razão disto acontecer e o texto descreve (de forma chocante e não científica) alguns efeitos
dessa falta de oportunidade e dessa falta de igualdade. Agora eu pergunto: quem pode fazer com que nossos direitos sejam respeitados somos nós ou um terceiro?

De todo modo, não consegui vislumbrar no texto nenhum indício de que "o autor" tenha acusado as ONG´S pela nossa desgraça, pela nossa passividade. O que me parece tenha ocorrido foi que as acusou de apenas defender direitos de alguns, quando, em verdade, os "direitos humanos" deveriam defender os direitos de todos - não importa quem seja. E, nesse aspecto, concordo com o texto. Não sei se tal se deve ao fato de que os
movimentos de "direitos humanos" apenas aparecem na mídia ligados a questões de defesa dos direitos dos acusados e nunca aparecem nas questões ligadas à defesa dos direitos básicos "de todo e qualquer cidadão". Isto, por si, não estaria errado, até mesmo porque todos os acusados também devem ter seus direitos protegidos, pois são cidadãos.
Mas é como se os outros cidadãos se sentissem excluídos com esta atenção especial.

A questão, então, gira em torno do direito à igualdade: porque só se defendem os direitos "deles" mas nunca os "meus"? Porque ninguém "me" protege? Aí resta uma certa indignação, como um "ciúme de irmão": você sabe que a mãe pode amá-lo e protegê-lo, mas
você quer o mesmo amor e a mesma proteção. Como o Estado não pode dar amor, o cidadão quer a mesma proteção e, quando isto não ocorre, quer a mesma defesa voraz de seus
direitos. Isto é o que deseja a maioria do povo brasileiro. Isto é o que não recebe o povo brasileiro. Eis, então, o simulacro hipócrita mencionado no texto.

Nada mais verdadeiro: a vítima quer ser ouvida, considerada. Não quer, então, que defendam os acusados de seus crimes sem que ela possa se defender ou, ainda, sem que ela possa ser defendida. Mas, tirando os Centros de Apoio às Vítimas de Crime espalhados pelo Brasil e outras poucas iniciativas, não podemos dizer que o Estado brasileiro e a maioria dos movimentos que se auto-proclamam como de direitos humanos efetivamente protejam ou defendam os direitos humanos das vítimas.

Por tudo isto é que não considero o texto apócrifo de "porcaria". Como todo texto, deve ser interpretado. Eis a minha interpretação. Talvez essa minha interpretação esteja comprometida diante dos acontecimentos da minha vida, não posso negar. Mas se um "assassino" pode tirar a vida de alguém sob o manto sagrado de argumentos
sociais que o impossibilitaram de ter acesso à educação, trabalho e saúde, acredito que eu também tenha esse mesmo direito, sob o argumento de que tive meus sogros assassinados por jagunços confessos de um suplente de ex-Deputado que queria uma vaga na Câmara, já que nunca nenhum movimento que se auto-proclama de "direitos humanos" acenou na defesa dos "direitos humanos dessas vítimas" à punição e, após quase doze anos de MUITO sofrimento, os seus assassinos encontram-se soltos e não existe previsão para julgamento.

Também me falta o conhecimento aprofundado do Direito Penal. Também me falta cientificidade jurídica nos argumentos. Porém, conclui recentemente que também não me interessa lutar para conseguí-los, pois nunca vou conseguir atingir a inteligência de penalistas e
juristas , como os que construíram a Constituição Federal excluindo os direitos das vítimas ou ainda os que, na tentativa de defenderem o que chamam de direitos humanos, apenas se manifestam e defendem os direitos dos acusados,como se existisse uma hierarquia entre os mesmos e os direitos das vítimas.

Na minha quase inútil ignorância, existem "direitos de acusados" que, ou foram criados ou passaram a ser interpretados para facilitar a impunidade. Se o obstáculo à punição se encontra, como argumentam alguns, nas leis e na própria Constituição, é tempo, então, de
re-avaliá-las. O momento social já começa a pedir isso. O povo brasileiro começa lentamente a questionar os valores insertos na Constituição. Nesta re-avaliação, o ideal seria, então, tentar proteger os direitos humanos realmente - o que seria possível no âmbito penal equilibrando os direitos dos acusados com os direitos das vítimas, mas nunca excluir qualquer deles, como acontece no Brasil com os últimos.

Acredito que a discussão seja sadia, assim como o respeito aos pontos de vista, pois quando um assunto se torna inquestionável ou quase proibido - como o suscitado direitos dos bandidos - quando as pessoas começam a ser "taxadas" ao defenderem pontos de vista diferentes (neste caso apenas o direito à igualdade), significa que estamos perdendo o Estado Democrático de Direito e a autonomonia intelectual.

Por fim, gostaria de lembrar que em palestra ocorrida em 2007 acerca dos Direitos Humanos, Francisco Rezek defendeu que os direitos humanos não são apenas violações do Estado contra os indivíduos, mas, também, violações particulares contra particulares, o que corrobora nossa posição.

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